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Rompimento da barragem de Mariana completa dois anos no domingo

Espera pelo reassentamento e mudança brusca de vida se transformam em depressão nas comunidades

Repórter Nacional

No AR em 03/11/2017 - 10:29

“Lá em Paracatu meu pai tinha a vida normal. Ele pescava, ia no bar para jogar baralho. E depois que veio para aqui meu pai ficou muito dentro de casa. E afastou ele da gente, porque a Samarco não arrumou casa perto. Ele foi ficando muito sozinho, foi ficando triste, doente. Ele ficou depressivo e... acabou falecendo”.

O relato é de Leonídia Gonçalves, de 46 anos, moradora de Paracatu de Baixo, distrito de Mariana, Minas Gerais. Um dos locais soterrados pelo rejeito da Barragem de Fundão, pertencente à mineradora Samarco. Os moradores foram instalados em casas alugadas e mobiliadas na cidade. Seu pai, Alexandre, morreu no dia 5 de março deste ano, vítima de infarto fulminante. Leonídia afirma que a depressão agravou os problemas de saúde que levaram à morte.

“Ele falou assim comigo: minha filha, eu não quero que vocês briguem. São seis irmãos. E não chora não. Eu falei “pai, porque você tá falando isso?”. “Eu sei que estou dando amolação para vocês, vocês chegam do trabalho têm que ir lá para casa”. Meu irmão levou ele embora. Quando foi umas 19h30 minha irmã ligou e disse que tinha ido pro hospital. Quando cheguei lá ele já tava morrendo. A gente culpa é essa lama, né”.

Dois anos depois da tragédia de Mariana, que deixou 19 mortos, a lama ainda soterra a vida dos atingidos. A espera pelo reassentamento e a mudança brusca de vida se transformam em depressão nas comunidades. E algumas pessoas não viveram para testemunhar as mudanças. São os novos mortos da tragédia de Mariana.

Embora a Comissão de Atingidos da Barragem de Fundão não tenha um levantamento, os participantes contam que esse não é o único caso de depressão e morte pós-desastre. Medo de sair de casa, tristeza profunda e esquecimento são alguns dos sintomas. Como no caso de Marino D'ângelo Júnior, de 47 anos, morador de Paracatu de Cima e membro da Comissão de Atingidos.

“Fiquei um tempo sem aguentar trabalhar, porque tive depressão. Hoje eu tomo dois antidepressivos, o que aumentou minha glicose, cheguei a ficar diabético. Antes de tomar esses remédios eu só chorava. E o pior é que além de passar por tudo você tem que lutar para conseguir as coisas de novo”.

Existe ainda o sofrimento causado pelo preconceito. A Samarco move a economia da cidade. Com a paralisação das atividadades desde o dia da tragédia até agora, o desemprego em Mariana passou de 20%. Mais de 80% da receita do município vem da mineração. Luzia Nazaré Mota Queiroz, de 52 anos, moradora de Paracatu de Baixo, trabalhava em uma loja de noivas da cidade antes da tragédia. Ela saiu do emprego porque não aguentava mais ouvir comentários de clientes.

“Você tá lindando com sonho tem que estar sempre sorridente, alegre. Mas as pessoas entravam na loja: 'eu não aguento mais esse povo falando da barragem'. Tinha uns que diziam que a gente era folgado.”

A Fundação Renova foi criada depois, de acordo com o Ministério Público, para cumprir as ações de reparação e compensação dos estragos provocados pelo rompimento de Fundão. Ela é financiada pela Samarco e orientada por um Comitê composto por órgãos públicos e sociedade civil. Segundo Albanita Roberta de Lima, líder do Programa de Saúde e Bem Estar Social da instituição, será realizado um estudo para levantar casos de pessoas atingidas que estão em depressão. Além disso, uma equipe, de médicos a psiquiatras, foi contratada para atender a população desde o início.

“Nós mexemos com a vida dessas pessoas, e isso precisa ser reparado. Entendendo que determinadas pessoas têm mais dificuldade para superar esse, vamos dizer assim, incoveninente que acontece na vida das pessoas”.

O promotor do Ministério Público de Minas Gerais, Guilherme Meneghin, atua para garantir os direitos dos moradores de Mariana. Ele diz que existe uma complexidade na questão, por não existir a causa de morte por depressão, mas confirma que os casos de sofrimento mental são comuns. Não só pelo trauma que viveram há 2 anos, mas pelos processos de negociação das reparações às vítimas.

“Nós tivemos uma audiência na semana passada que metade das pessoas eram idosas, e não foram contempladas com os auxílios. Várias delas desmaiaram. Saíram chorando da audiência. Quem era contemplado, de emoção. Quem não era, de profundo ultraje”, relata.

De acordo com Meneghin, é possível atuar na área cível, cobrando danos morais pelo sofrimento. Até agora, os custos com velório e o enterro do pai de Leonídia foram da família. Segundo ela, nunca receberam uma ligação para prestar homenagem a Alexandre. Mas a agricultora diz que só tem um desejo:

“A única coisa que eu quero é que eles entreguem minha casa. A de todo mundo. Aqui tem muita família que não está feliz. A gente era muito feliz. Eu quero ir embora.”

No domingo (5), aniversário de dois anos da tragédia de Mariana, Leonídia passará o dia nos escombros de Paracatu, recordando os oito meses do pai falecido depois de enfrentar a depressão.

Ouça o Repórter Nacional na íntegra:

 

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