“Na Amazônia o difícil não é achar um sítio arqueológico, mas é saber o que fazer com ele.” A frase dita pelo professor e arqueólogo Eduardo Neves em tom de brincadeira, mas com um fundo de verdade, reforça o que muitos pesquisadores têm estudado nos últimos anos: uma ampla ocupação humana na região da Amazônia Legal antes da chegada dos portugueses no Brasil.
Neves, que é professor do departamento de Arqueologia da Universidade de São Paulo, é apenas um dos estudiosos que buscam evidências dessa presença humana na Amazônia pré-colonial. Ele e outros pesquisadores como Charles Clement, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, apresentaram algumas projeções num artigo publicado pela revista científica Proccedings B, da Sociedade Real da Inglaterra, no ano passado.
Eles sugerem uma Amazônia toda habitada por cerca de 8 milhões de pessoas, que posteriormente foram dizimadas por doenças, escravidão e guerras.
Neves explica que as áreas estudadas apresentam muitos vestígios que podem comprovar esta ocupação. Para ele, os achados arqueológicos provam que a Amazônia não é uma terra “À Margem da História”, como sugeriu o escritor Euclides da Cunha, em livro escrito no ano de 1909.
"As pessoas têm essa ideia aqui no Brasil, de que a Amazônia sempre foi desabitada, sempre teve pouca gente, e é importante falar: olha, tinha gente pra caramba no passado. Porque esta questão, você o que está acontecendo agora no Tapajós, as usinas que querem construir no Tapajós. Elas estão baseadas na crença de que o Tapajós é uma região desabitada e na verdade a gente sabe que existem milhares de índios munduruku que vivem ali, e as populações ribeirinhas também. Então acho importante combater esse mito de que a Amazônia é uma terra sem gente. E na verdade essa é uma ideia incorreta, ela não tem nenhuma base científica ou factual pra isso", diz o pesquisador.
Outro fator importante apontado pelos estudiosos é que estes habitantes podem ter ajudado a criar a floresta amazônica, tal como se conhece atualmente. O pesquisar do INPA, Charles Clement, reforça que castanhais, açaizais e outras diversas espécies de árvores podem ter sido plantadas pelos índios ancestrais.
"Tem algo como 50 espécies que possivelmente foram manejadas dentro da floresta e outras 50 espécies que foram manejadas em campos agrícolas. Então, o passado da Amazônia é um mosaico destes dois tipos de produção de alimentos. Temos evidências de que a floresta foi modificada em formas que finalmente estamos começando a reconhecer", esclarece.
Mas, muitos estudiosos veem com ressalva as pesquisas que mostram essa amazônia superpopulosa. Acreditam que elas podem incentivar uma ocupação desordenada na área, provocando ainda mais desmatamentos e avanços de uma agricultura nociva.
"Alguns dos nossos colegas das ciências naturais, os ecólogos principalmente, eles falam “não, calma aí, vamos devagar, porque se não o que vocês estão dizendo pode legitimar um processo de ocupação desenfreada na Amazônia como a gente tá vendo acontecer hoje em dia, entendeu? E eles têm razão em estar preocupados, porque alguém pode pegar isso que a gente tá dizendo e distorcer", explica Eduardo Neves.
O indígena Jaime Xamen, do povo Wai Wai, é estudante do sétimo período de arqueologia da Universidade Federal do Oeste do Pará. Para ele, o curso é a oportunidade de manter viva a história do próprio povo.
"A importância pra mim é estudar sobre meus povos, escrever pros nossos filhos, porque talvez, os velhos vão morrer todos, eles vão perder também a memória, é melhor documentar essa antiga história", esclarece.
Os estudos sobre essa história pré portuguesa no Brasil ainda são poucos, mas os pesquisadores são otimistas e reforçam a necessidade de mais arqueólogos na região Amazônica para ajudar a desvendar esse Brasil desconhecido.