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Falta tudo para o futebol feminino crescer no país, diz ex-capitã Juliana Cabral

Em entrevista ao Todas as Vozes, Juliana Cabral comentou a atual

A Seleção Brasileira feminina de futebol está fazendo, até agora, bonito no Mundial no Canadá. Três jogos, três vitórias. Na última quarta-feira (18), inclusive, uma vitória mesmo jogando com time misto, com o treinador poupando parte do time titular. Só o Brasil e o Japão conseguiram isso na primeira fase do Copa do Mundo de futebol feminino. Mas existem ainda muitos passos para dar no futebol feminino no Brasil.

 

O programa Todas as Vozes conversou com a ex-capitã da seleção, Juliana Cabral, que também é professora de Educação Física e radialista, e que conquistou a medalha de prata em Atenas, em 2004.

 

Confira a conversa entre o apresentador Marco Aurélio Carvalho e a ex-atleta:

 

Sobre o time em si, no próximo domingo (21), às 14h, tem na TV Brasil, o jogo entre Brasil e Austrália, oitavas-de-final do Mundial. Você está otimista?

Tem que estar otimista. Eu acho que o [treinador] Vadão vem fazendo um trabalho importante frente à seleção brasileira, tem tido tempo para treinar, para jogar com algumas boas seleções. Na verdade, na minha visão, acho que o Brasil realmente estreia no domingo, que vai enfrentar uma  seleção australiana, que melhorou demais, muito desenvolvida, é uma marcação muito mais forte, uma questão física muito melhor de todos os adversários que o Brasil pôde enfrentar até agora, uma organização e um equilíbrio tático muito grande. Então, o Mundial para o Brasil começa agora. Agora que o Brasil vai enfrentar uma seleção com muita qualidade e certamente dará muito trabalho para a seleção brasileira. Agora, nós temos grandes jogadoras, um técnico inteligente, um time bem organizado, e que é normal começar com algumas dificuldades e ir torcendo durante a competição.

 

Pelo que você viu até agora, jogando com seleções evidentemente mais fracas, podemos falar em um desempenho, digamos, compatível com o de outras competições internacionais?

Quando a gente pega um grupo muito fácil, acho que existe um relacionamento normal. Não que seja um grupo muito fácil, mas você tinha duas seleções que participavam pela primeira do Mundial – e até gostei muito, principalmente da Espanha, é uma seleção que procura tocar muito a bola, enfim. O Brasil tem muitas jogadoras que fazem o seu primeiro Mundial. É uma seleção diferente de outras gerações que a gente teve, talvez um pouco abaixo de outras, mas que individualmente nós ainda temos talentos. Acho que contra a Austrália dá para fazer um bom jogo sem dúvida nenhuma. O Vadão já deve estar treinando em cima do time australiano, que tem um ataque muito rápido, um toque de bola interessante, uma defesa muito coesa. A seleção brasileira vai ter que jogar muito mais do que jogou nessa primeira fase.

 

A seleção brasileira, na sua opinião, tem que destaques individuais, além da Marta e da Formiga. Que outras jogadoras têm talento tanto na marcação quanto nas jogadas? Que outras jogadoras merecem destaque?

Acho que a Fabiana, a lateral-direita, era uma jogadora que era atacante foi colocada pelo lado do campo para ser lateral. É uma jogadora muito inteligente, de velocidade, de força física, consegue chegar bem à frente, consegue defender bem. Sem dúvida nenhuma, a Andressinha, a jogadora que tem jogado ao lado da Formiga no meio de campo, de apenas 20 anos, é uma jogadora de muita qualidade, de muita promessa. É uma geração que vem chegando e podendo jogar do lado de Marta, de Formiga, de Cristiane, e sem dúvida nenhuma vão se desenvolver muito. Na minha visão, essas duas jogadoras. Acho que a goleira Luciana já não é tão nova, mas é uma jogadora de muita qualidade também. São essas as grandes jogadoras que me chamam muita atenção. É uma pena que a gente perdeu a Bruna Benites, que era zagueira e capitã dessa seleção e que acabou sendo cortada do grupo por lesão e é uma ausência muito significativa, como se a gente tivesse perdido uma Formiga ou uma Marta. Na posição, ela era uma jogadora fantástica.

 

O que aconteceu em competições anteriores em que Brasil chegou como favorito e na reta final, as coisas deram errado? Na sua opinião, faltou estabilidade emocional às meninas ou uma melhor organização tática? O que faltou em outras experiências no Mundial, no Pan-Americano, em outras competições?

Muito se fala na questão do desequilíbrio emocional. Na minha visão, falta um pouco de tudo; Quando a gente sai para disputar um Mundial ou Olimpíadas, a gente encontra seleções que treinam a todo o momento, e que fazem amistosos a todo o momento, e que disputam torneios entre essas seleções a todo o momento. Você pegar uma jogadora da Alemanha, você vai pegar a maioria das jogadoras ali com 100, 130, 150 jogos. Se você pegar a nossa seleção, você vai pegar a Formiga, a Marta com esse número de jogos. Então, falta ainda uma série de coisas. Uma delas é ter um calendário melhor para a seleção brasileira. A seleção não pode jogar somente Mundial e Olimpíadas. Você precisa ter esse confronto com esses grandes centros mais vezes. Essas seleções têm uma estrutura dentro dos países delas em relação a campeonatos, muito mais competitivos e organizados do que nós temos. Ou seja, no nosso país, você só trabalha a jogadora, basicamente, quando você chega na seleção. Temos alguns bons times com boas estruturas, tem, mas não são todos. Então, a seleção acaba sendo preparada somente quando está dentro da seleção brasileira. São alguns detalhes que fazem muita diferença. A questão física, é muito nítido. A diferença física dos times europeus entre os Estados Unidos e a nossa seleção brasileira. Então, é uma série de coisas que no fim faz muita diferença. E claro, o lado psicológico. Quando você trabalha um atleta, você tem que trabalhar o corpo do atleta, mas é importante também trabalhar a mente do atleta. Dificilmente você vê essas grandes seleções quebrarem no final. O que é quebrar no final: é não ter uma organização tática, é perder a concentração. Dificilmente nessas seleções acontecem isso. É acreditar, até o último momento, naquilo que elas treinaram e se prepararam para fazer, até uma jogada de bola parada, qualquer coisa do tipo. Enfim, acho que ainda nós estamos distantes de ter essa estrutura e essa organização, que grandes seleções têm.

 

Como incentivar, como mobilizar o brasileiro para o futebol feminino? O que falta? Aposta das empresas? O que existe ainda é uma concepção machista no futebol, inclusive, em alguns torcedores? Concepção esta que desestimula a praticarem futebol nas famílias. O que falta para o Brasil crescer ainda mais no futebol feminino?

Falta tudo. Você citou alguns pontos que, na minha visão, prejudica o futebol feminino. No Brasil, a menina quando é pequena tem que ganhar a boneca, e o menino tem que ganhar a bola. Isso tem mudado um pouco com o passar dos anos, tem. Eu dou aula num colégio no Morumbi, em São Paulo, para meninas de 6 a 17 anos. E eu tenho as meninas de 6,7,8 querendo jogar bola e fazendo escolinha de futebol com os meninos. Agora, quantas escolinhas específicas nós temos para as meninas? Não temos. Quantas meninas ganham a bola? Poucas. Quantas meninas têm a oportunidade de fazer o futebol nas escolas? Não sei quantas, talvez nos colégios com mais estrutura. Quantas meninas têm a oportunidade de vivenciar o futebol em eventos, em parques? Nos Estados Unidos existem as clínicas, né. Nas férias, as meninas de todas as idades – inclusive quando eu joguei lá, eu ficava impressionada, eram meninas começando a andar, querendo chutar uma bola, como é com os meninos. É essa a mentalidade que precisa mudar um pouco. É desenvolver isso nas escolas. É desenvolver isso em eventos dentro de locais públicos, que as pessoas possam ir com segurança e que as crianças possam vivenciar o futebol. Qualquer esporte que sair um pouquinho da questão do videogame e ir brincar com a bola na rua – coisa que na minha época tinha muito, hoje tem muito pouco. A questão de se estruturar um pouco mais a modalidade, os campeonatos. Qual é o patrocinador que vai patrocinar um time com shorts abaixo do joelho com a camiseta larga? Nem os uniformes são específicos para as mulheres. E eu não estou falando de colocar shortinhos grudados e camisetas grudadas, porque isso seria um absurdo e uma exploração gigantesca da imagem da mulher, do corpo da mulher. E no Mundial feminino a gente pode perceber algumas seleções com shorts menor, com uma camiseta que não seja tão larga e que modele um pouco mais. É uma série de coisas que precisa fazer para atrair o patrocinador, você precisa atrair a mídia. Não adianta o futebol feminino passar somente em época de Mundial e Olimpíadas na mídia. Isso tem que ser direto. Campeonato Paulista precisa ser competitivo, não dá para ter 20 times sendo que você tem cinco que não tem uma atividade profissional, que treina uma vez na semana. A disparidade técnica desse time que treina uma vez na semana ou que é montado em cima da hora para aquele time que tem organização. O Centro Olímpico, o São José ou o próprio Santos, que voltou com o time, quer dizer, que tem uma atividade profissional, que treina todos os dias, que vive só para isso um certo tempo do dia, a disparidade técnica é muito grande. Então, essas coisas, que são bobas, que são mínimas, não foram mudadas no futebol feminino. Aí, quem é que vai patrocinar um jogo em que você tem um time muito forte e outro time muito fraco, que não consegue nem ultrapassar a linha de campo e só toma de 10, de seis ou 12 a zero? Não dá. Até quem gosta de futebol feminino fica difícil assistir esse tipo de jogo. Então, falta muita coisa para que a modalidade possa se consolidar e que caia no gosto da torcida. Eu escuto muita gente falar: “ah, o masculino hoje é um jogo muito rápido, muito físico”. O feminino ainda não é esse jogo; o feminino ainda tem um pouco da lentidão, claro, por causa da questão física da mulher também. Agora, no nosso caso, as meninas precisam ser desenvolvidas mais cedo. Não adianta você desenvolver uma menina com 15 anos.

 

O que falta para que escolas públicas do ensino fundamental e do ensino médio possam começar a estimular as meninas para a prática do futebol? Falta romper com o machismo que também está presente dentro da escola?

Eu nunca trabalhei em escola pública e não vou poder falar com certeza se existe um machismo. A escola em que dou aula, no nosso planejamento, existe o futsal para meninos e para as meninas. A gente tem boas quadras, a gente tem mais de 15, 20 bolas. Eu tenho turma com 30, se quiser dar uma aula com bola para cada uma, eu tenho aqui 50 bolas para dar. Qual é a estrutura do colégio público? O colégio público tem quadras em boas condições? Tem material em boas condições? Então, são essas as questões. A gente sabe que quando tem que tirar dinheiro, tira de onde? Tira da educação. Então, fica difícil desenvolver isso no âmbito da escola. Claro que aquela menina que gosta de futebol, ela vai jogar futebol de qualquer jeito. Mas a gente precisava ter mais estrutura. Por isso que eu acho que só nas escolas, não resolve. Porque só nas escolas, a gente precisaria ter estrutura para isso. E não é só no futebol, a gente precisaria ter estrutura para a criança vivenciar o handebol, o basquetebol, ter profissionais capacitados para fazer isso, para ter organização. Por exemplo, o governo tem ajudado muito o futebol feminino. Entrou, depois de 11 anos, e formaram o Campeonato Brasileiro, que tem os seus contras também. Um campeonato não pode ter dois meses de duração, tem que ter muito mais tempo para ter um jogo competitivo. Agora, por que não organizar eventos em tantos espaços públicos para fazer com que a criança queira praticar o esporte? Queira praticar o handebol, futebol, basquetebol e larga um pouco do videogame. A esperança é a última que morre, mas eu confesso que a cada ano está mais difícil tentar com que esse futebol feminino seja consolidado no país.

 

Se tudo isso que você falou, se esses espaços forem dados, outras Martas surgirão ou nível técnico da Marta é uma exceção, uma raridade?

Várias outras Martas, Cristianes, Formigas podem surgir. A Marta, na minha visão, ela se tornou a potência que é, porque cedo ela saiu do país e foi jogar na Suécia. Toda a estrutura física, todo o conhecimento tático, toda a disciplina – é claro que se iniciou aqui no país também, ela iniciou no Vasco e a Helena Pacheco era uma excelente técnica e coordenadora das categorias de base, viu a Marta crescer e ali se tinha muita estrutura também. Mas ela saiu cedo e desses problemas que a gente tem. O dom ela sempre teve e ela aprimorou na questão física e técnica

 

Clique no player acima e ouça a entrevista na íntegra. 

 

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Todas as Vozes vai ao ar de segunda a sexta-feira, das 7h05 às 10h, na Rádio MEC AM do Rio de Janeiro - 800 kHz, com apresentação do jornalista, professor e radialista Marco Aurélio Carvalho.



Criado em 19/06/2015 - 16:05 e atualizado em 19/06/2015 - 14:53

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