Como se constrói o repertório de um grande pianista? A pergunta é simples; a resposta, nem tanto. Mas os dois artistas que conheceremos melhor neste décimo terceiro episódio do Torna Viagem nos ajudam a encontrar algumas respostas possíveis: o português Jorge Moyano e a brasileira Sonia Rubinsky.
Em 1975, Portugal perdeu um engenheiro. Pode ser estranho falar assim, mas foi o que aconteceu. Jorge Moyano, nascido em 1951, já havia concluído os estudos de piano no Conservatório Nacional de Música de Lisboa. Mas resolveu que seria mais seguro ter uma opção profissional. Formou-se em 1974 em Engenharia. Só que, um ano depois começou a dar aulas no conservatório. A música chegou na frente. E trouxe com ela um grande intérprete da obra de Schumann, para começar.
Com este amigo, Moyano descobriu com o tempo o repertório que mais lhe interessava. Nos anos 1980, disse que se sentia um romântico fora de época. Isso o incomodava. Temia ter, como músico, uma postura conservadora, que não reconhecia em outros aspectos de sua vida. Mas, se a hesitação passou com o tempo, permaneceu um olhar crítico. O retorno para o século XIX não deve acontecer sem levar em consideração o período como um todo e as dificuldades da vida de então. Como isso se traduz na interpretação musical? É difícil dizer. Mas o imponderável sempre fez parte da trajetória de um pianista que não separa a atividade de tocar da importância da reflexão sobre o fazer artístico.
Um olhar sobre o caminho artístico de Jorge Moyano pode se abrir para diferentes estradas. Em cada uma dela, o caminho reserva destinações marcantes. Há o trajeto que leva a Beethoven, o que leva a Mozart, a via expressa em direção a Schumann. No canto do mapa, no entanto, há uma pequena viela que nos leva a uma paisagem particularmente tocante: Brahms.
Quantos pianistas podem existir em uma só artista? A pergunta vem à mente quando olhamos a trajetória de Sonia Rubinsky. Nascida em Campinas, no interior do estado de São Paulo, em 1957, viveu em Israel, nos Estados Unidos e hoje vive na França. E ao longo de todo esse período, investiu em projetos que a colocaram em contato com repertórios tão diferentes, traduzidos por um toque particular. Um dos mais ambiciosos foi a gravação de toda a obra para piano solo de Heitor Villa-Lobos. Um compêndio de oito discos, que ajudou a definir a importância desse repertório na música do século XX.
A paixão seguinte foi a música alemã. Então, a música americana. A francesa? Não, não é justo dizer assim. Nem tudo acontece de forma cronológica na mente de um artista. Mas há momentos em que é preciso parar e olhar a um determinado repertório.
Ainda durante o projeto Villa-Lobos, que consumiu anos de trabalho, Sonia Rubinsky começou uma viagem muito pessoal em direção ao passado. Começou com sonatas de Mozart, passou pela sonatas de Domenico Scarlatti e chegou ao começo de tudo: Bach. Mas ela o fez de maneira bastante original. Criou o projeto Magna Sequentiae. E, em vez de tocar alguma suíte bachiana na integra, formou suas próprias suítes, escolhendo movimentos de partitas, suítes francesas e das Variações Goldberg.