O Brasil de grandes poetas é também o mesmo que nos deixa órfãos de informações sobre nomes que contribuíram para a construção da nossa história literária. É o caso da poeta Jacinta Passos, escritora nascida em Cruz das Almas, numa família tradicional baiana, no início do século XX, mais precisamente em 1914. Jacinta se tornou uma das mais ativas jornalistas da Bahia, na década de 40 do século passado. Escreveu sobre política, transformações sociais, a situação da mulher e a hierarquia na sociedade. Particicipou também de jornais do Rio de Janeiro e São Paulo. Foi casada com o escritor e jornalista James Amado, irmão do escritor Jorge Amado. Com ele teve uma filha, Janaína. Conviveu no Rio e em São Paulo com artistas e intelectuais importantes da época.
Jacinta Passos é autora de 4 livros de poemas: "Momentos de poesia", de 1941, "Canção da partida", de 1945, "Poemas políticos", de 1951 e a coluna de 1958. Todos muito bem vistos por críticos e autores importantes daquele tempo como Antônio Cândido, Mário de Andrade, Aníbal Machado, entre outros. Dos 4 livros, apenas "Canção da partida" é considerado o de maior êxito e foi ilustrado pelo artista Lasar Segall.
E lá se vão mais de 30 anos sem uma reedição nova de livros que contam um pouco do Brasil e muito de Jacinta Passos numa época de grandes transformações e entraves para a participação das mulheres nas artes e na política. Por isso, os versos de Jacinta Passos permanecem para além do tempo e do espaço como "Canção da liberdade", publicado no livro "Canção da partida". É com ele que eu termino o Momento Literário de hoje:
Canção da liberdade
Eu só tenho a vida minha.
Eu sou pobre pobrezinha,
tão pobre como nasci,
não tenho nada do mundo,
tudo que tive, perdi.
Que vontade de cantar:
a vida vale por si.
Nada eu tenho neste mundo,
sozinha!
Eu só tenho a vida minha.
Eu sou planta sem raiz
que o vento arrancou do chão,
já não quero o que já quis,
livre, livre o coração,
vou partir para outras terras,
nada mais eu quero ter,
só o gosto de viver.
Nada eu tenho neste mundo,
sozinha!
Eu só tenho a vida minha.
Sem amor e sem saúde,
sem casa, nenhum limite,
sem tradição, sem dinheiro,
sou livre como a andorinha,
tem por pátria o mundo inteiro,
pelos céus cantando voa,
cantando que a vida é boa.
Nada eu tenho neste mundo,
sozinha!
Eu só tenho a vida minha.
- Jacinta Passos (1943), em "Canção da partida". São Paulo: Edições Gaveta, 1945