Um trabalho de literatura e música com composições em tupi e em português, além de poesias marcadas pela ancestralidade indígena. A obra de Márcia Kambeba é um misto de histórias e experiências sobre a identidade dos povos indígenas, a representação das mulheres nas aldeias e os territórios. Os poemas de Márcia Kambeba trazem nos versos a força da resistência, como este:
Silêncio Guerreiro
No território indígena
O silêncio é sabedoria milenar
Aprendemos com os mais velhos
A ouvir, mais que falar.
No silêncio da minha flecha
Resisti, não fui vencido
Fiz do silêncio a minha arma
Pra lutar contra o inimigo.
Silêncio é preciso,
Para ouvir o coração,
A voz da natureza
O choro do nosso chão.
O canto da mãe d’água
Que na dança com o vento
Pede que a respeite
Pois é fonte de sustento.
É preciso silenciar
Para pensar na solução
De frear o homem branco
E defender o nosso lar
Fonte de vida e beleza
Para nós, para a nação!
Márcia Kambeba é do omágua/kambeba, no Alto Solimões, no Amazonas. Nasceu na aldeia Belém Solimões, do povo Tikuna. Hoje, ela vive em Belém, no Pará. É mestra em geografia pela Universidade Federal do Amazonas, a primeira que conquistou esse título na sua aldeia. Trabalha como poeta, compositora, cantora e fotógrafa. Além disso é ativista na defesa dos povos indígenas. Costuma dizer que escreve poesias com um olhar ambiental, geográfico, indígena e cultural visando valorizar a cultura e informações dos povos originários. Sua obra está em várias escolas e é usada como ferramenta de apoio para que as crianças tenham acesso às histórias e à literatura indígena. É autora do livro “Ay kakyri tama – eu moro na cidade”, publicado pela editora Pólen. Acredita na missão de levar conteúdo sobre a forma de vida do povo indígena, como maneira de transmitir ao leitor como vivem, onde e como estão os povos originários. E é com uma descrição de quem ela é que eu termino o momento literário de hoje com este poema.
Ser indígena - Ser omágua
Sou filha da selva, minha fala é Tupi.
Trago em meu peito,
as dores e as alegrias do povo Kambeba
e na alma, a força de reafirmar a
nossa identidade
que há tempo fico esquecida,
diluída na história
Mas hoje, revivo e resgato a chama
ancestral de nossa memória.
Sou Kambeba e existo sim:
No toque de todos os tambores,
na força de todos os arcos,
no sangue derramado que ainda colore
essa terra que é nossa.
Nossa dança guerreira tem começo,
mas não tem fim!
Foi a partir de uma gota d’água
que o sopro da vida
gerou o povo Omágua.
E na dança dos tempos
pajés e curacas
mantêm a palavra
dos espíritos da mata,
refúgio e morada
do povo cabeça-chata.
Que o nosso canto ecoe pelos ares
como um grito de clamor a Tupã,
em ritos sagrados,
em templos erguidos,
em todas as manhãs!