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Ouça o Especial em homenagem a Tim Maia

Relembre a trajetória e os sucessos do Síndico

Especiais

No AR em 26/11/2022 - 18:32

Tijucano da grande safra de 1942, contemporâneo de Gilberto Gil e Paulinho da Viola, Tim Maia nasceu Sebastião. Como São Sebastião do Rio de Janeiro, a cidade em que nasceu. Cantor, compositor, instrumentista e produtor musical, Sebastião Rodrigues Maia, o Tim Maia, foi diretamente responsável por incorporar o soul na música popular brasileira. Mais que traduzir, Tim reinventou o balanço negro americano, temperado pelo samba, o baião, a bossa nova. Com uma trajetória atribulada e cheia de reviravoltas, movida a três garrafas diárias de uísque nos tempos de prosperidade, Tim viveu a mil. Infinito enquanto durou. Vale Tudo, um de seus temas de maior sucesso, resume bem essa diversidade musical e essa intensidade, até a morte em 98. 

Tim teve uma infância humilde, com os 17 irmãos. Vendia marmitas com a família na Tijuca, bairro da zona norte do Rio onde nasceu. Era conhecido como Tião Marmiteiro.
O ofício rendeu a ele muitas amizades. Com o tempero da polêmica, como nessa lembrança publicada no perfil de Tim no Facebook.

Seu Altivo e Maria Imaculada, pais de Tim, tinham uma pensão e era o gordinho mais famoso da Tijuca que entregava as comidas para a vizinhança. Ainda criança, no meio do trabalho, sempre fazia uma pausa pra tomar uma sopa ou roubar o pastel de uma marmita. Até que um dia, Erasmo Carlos pegou ele no flagra. Os dois começaram a discutir e Tim correu atrás dele pelas ruas do bairro. Depois desse episódio Tim ficou um tempo de castigo. Feitas qs pazes, foi Tim quem ensinou os primeiros acordes a Erasmo, o 'Gigante Gentil que nos deixou esta semana.

Foi junto com Erasmo, na juventude, que começou a frequentar o famoso Bar do Divino, também na Tijuca. Com Erasmo, formou a banda The Snakes. No mesmo lugar, conheceu Roberto Carlos, com quem formou sua segunda banda profissional: The Sputniks. Roberto e Tim tiveram um desentendimento quando a banda terminou. Anos depois, retomaram a amizade. Roberto, um nome consagrado, o Rei. Tim dando os primeiros passos na carreira, depois de voltar os EUA. O reencontro é retratado na cinebiografia de Tim. A música mais romântica, Você, de início uma balada, não despertou o interesse de Roberto:

A segunda canção apresentada por Tim ao amigo se tornou um enorme sucesso. A música marca uma guinada na carreira de Roberto, que incorpora o soul a seu estilo. Desabafo num fim de caso, com suíngue irresistível, ao estilo de James Brown, Não Vou Ficar puxa o disco do Rei de 1970, um dos melhores de sua carreira:

O sucesso estrondoso da canção facilita a passagem de Tim com as grandes gravadoras. O trajeto até esse estouro, como quase tudo que envolve Tim, teve escalas e turbulências. Depois que o pai morreu, em 1959,Tim havia vendido todas as suas coisas e pedido dinheiro emprestado para realizar o sonho de conhecer os EUA. O valor não era suficiente. Por ter sido coroinha na infância, na Igreja dos Capuchinhos, em seu bairro, Tim era muito querido pelo Frei Cassiano, que o ajudou a embarcar junto com os padres, sem precisar pagar a passagem. Compêndio de pecados e vícios, Tim embarcou para o país fundados por migrantes puritanos da carona com uma missão da Arquidiocese do Rio.

Após trabalhar em e enfermarias e lanchonetes, que à época não funcionavam como atalho para a carreira diplomática, Tim participa do conjunto The Ideals. Era conhecido no país como "Jimmy, the Brazilian". A passagem pelos EUA é encurtada pela prisão por porte de maconha, em 1964. Após seis meses na prisão, é deportado para o Brasil. De volta ao Rio, após trabalhar como guia turístico no Rio, grava um disco com Os Dominós em 1966, sem maior repercussão.

Doi anos depois grava outro compacto, com "Meu País" e "Sentimento". Meu País traduz a sensação de, ainda jovem, enfrentar uma cultura tão diferente quanto os Estados Unidos.

No mesmo ano, Tim Maia lança outro compacto simples, com duas canções. Elis Regina o convida para cantar com ela a música "These Are the Songs", que saiu no disco "Em Pleno Verão", da cantora.

O primeiro LP solo de Tim viria no ano seguinte, 1970, pela Polydor. O primeiro destaque é para a composição “Azul da cor do mar”, uma balada romântica do próprio Tim. A versão que ouviremos a seguir é do program Ensaio, da TV Cultura.

O romantismo também é a marca de Primavera, de Cassiano, outro dos inventores do soul tupiniquim. Nessa interpretação ao vivo, a voz de Tim está mais encorpada, característica que adquiriu com a idade.

Quando se preparava para regravar 'Meu País', para o LP de estreia, Tim Maia recebeu uma oferta da Associação Brasileira dos Produtores de Cacau. O jingle de um minuto foi ampliado e se tornou um hit instantâneo: Chocolate.

O primeiro disco esteve durante 24 semanas nas paradas de sucesso do Brasil. Além dos três hits já citados, pesou muito um quarto hit. Foi o baião Coroné Antonio Bento de Luis Wanderley e João do Vale, que ganha metais e um tempero soul.

O mesmo filão da música regional nordestina tocada com arranjos que lembravam o jazz rendeu um sucesso arretado no LP seguinte. Foi Dia de Santo Reis.

O segundo disco trouxe um dos hinos de Tim, Não Quero Dinheiro. Emplacou até uma expressão, 'de jeito ou maneira', para indicar uma recusa. No Rio, território livre da reinvenção da língua, a gíria é uma boa medida de sucesso até hoje.

O segundo LP apresenta outra faceta do trabalho de Tim, a força das interpretações. Caso de um clássico da Bossa Nova, dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, em que Tim combina potência vocal e suavidade no registro. Preciso Aprender a Ser Só.

Outro sucesso do disco é uma parceria com Hyldon, com uma letra parte em Português, parte em Inglês. Nada mal para quem ganou o apelido de Babulina pela pronúncia peculiar ao cantar Bop-A-Lena nos bares da Tijuca. O mesmo apelido de outro tijucano da gangue, Jorge Ben. Reflexo dos desencontros amorosos vividos por Tim, I don't know what to do with myself evoca o estilo de Marvin Gaye. 

Em 1973, gravou mais um LP intitulado “Tim Maia”, contendo “Réu confesso”, de sua autoria, e “Gostava tanto de você”, de Édson Trindade, entre outras. Ainda na década de 70, fundou seu próprio selo, inicialmente Seroma e, mais tarde, Vitória Régia Discos.

Réu Confesso é bem característica do universo musical de Tim, e se tornaria uma de suas marcas registradas.

Gostava Tanto de Você, de Édson Trindade, tem os arranjos de metais e o vocal potente que se tornaram marca de Tim Maia.

Em 1974, entra para a seita Universo em Desencanto. Os discos Tim Maia Racional Vol. 1 e Vol. 2 (1975) mostram o cantor em plena forma vocal. Tim parou de beber, fumar, de comer carne vermelha. O cantor só usava branco e determinou que todos da banda deveriam fazer o mesmo. Os discos da fase Racional, uma das mais produtivas de sua carreira, viraram artigos de colecionador.

O cantor concluiu estar seguindo um guru e uma seita enganosos e passou a renegar essa fase. Destruiu LPs, à época um fracasso de vendas, proibiu seu relançamento e desencorajou regravações enquanto ainda estava vivo. Ficaram da experiência amargura, dívidas e pelo menos duas obras-primas.

A primeira, única faixa a fazer sucesso na época do lançamento, foi Imunização Racional, mais conhecida pelo refrão (Que Beleza)

Outra canção da fase racional ganhou o mundo, ao entrar na trilha de Cidade De Deus, único filme brasileiro a concorrer a quatro Oscars. A faixa é No Caminho do Bem, aproveitada com o arranjo original, mais de duas décadas depois de seu lançamento. 

Tim retoma a carreira com um disco em 1976, sem maior repercussão. A faixa de maior sucesso é a de abertura, Dance Enquanto É Tempo.

Reflexo da baixa vendagem do disco de 1976, Tim Maia tem prisão decretada em 1977 por vender um carro seu que estava penhorado. O cantor havia morado durante cinco meses sem pagar aluguel.

A força da onda Disco, no rastro do filme Embalos de Sábado à Noite e dos volteios de John Travolta, chega como febra ao Brasil. No ano da Hippopotamus, da New York City e Dancin'Days, no morro da Urca, o cantor grava Tim Maia Disco Club. Uma faixa de grande sucesso é A Fim de Voltar, que soa como plano de vida. 

Outro sucesso, mostrando a potência dos metais da banda Vitória Régia e um baixo com sotaque de Nile Rodgers, é Acenda o Farol.

No mesmo LP, uma faixa obrigou a uma negociação com a censura, por uma menção velada a drogas. Nos shows, ao vivo, Tim cantava a letra original. 'Sossego' ironiza as dificuldades financeiras e profissionais enfrentadas pelo cantor. O título original incluía 'E um quilo do bom'. Ora bolas, não me amole/com esse papo/de emprego/não está vendo/não estou nessa/o que eu quero/é sossego

O próximo marco na jornada musical de Tim é "O Descobridor dos Sete Mares", disco de 1983.

A começar pela faixa-título, um dos maiores sucessos da carreira do compositor.

A amizade com Michael Sullivan, à época um hitmaker presente nos discos dos principais cantores e cantoras do Brsil, rendeu a Tim outro sucesso 'arrasa-quarteirão'. Tim quase não gravou a música 'Me Dê Motivo'. Quem conta é um dos autores, Michael Sullivan.

Contornada a quizumba, o Brasil ganhou uma linda interpretação, das melhores entre as muitas excelentes performances de Tim:

O retorno ao topo das paradas não foi suficiente para Tim se livrar das confusões. Em 1984, é acusado de emitir um cheque sem fundos para pagamento de uma passagem aérea e processado por estelionato. No mesmo a ano, grava outro sucesso de Michael Sullivan, 'Leva'. Originalmente mensagem de fim de ano de uma rádio paulista, fez tanto sucesso que se tornou um compacto.
 

No disco de 1986, em uma espécie de suíte de Descobridor dos Sete Mares, Tim Maia regrava 'Do Leme Ao Pontal'. A música inspirou a construção da ciclovia cruzando boa parte da orla carioca, que desabou em parte, antes de completar um ano de funcionamento. Mais sólida que a obra que inspirou, Do Leme Ao Pontal segue como um dos grandes momentos da cooperação com a banda Vitória Régia.

Nas idas e vindas, rupturas e reencontros, que marcaram a trajetória de Tim, um ponto de apoio é a amizade com o cantor Fábio. O paraguaio morou com Tim mais de uma vez e gravou com ele um grande sucesso, Velho Camarada.

O apego à bebida e às drogas custaram muitos sobressaltos a Tim Maia. No livro Vale Tudo, de 2007, Nelson Motta conta algumas dessas histórias:

'TIM geralmente faltava a shows porque estava derrubado pelo que chamava de triátlon – uma maratona de uísque, cocaína e maconha. Muitas vezes, mesmo em condição precária, ele estava até com vontade de cantar, mas não havia voz nem para dar boa noite. Outras vezes, raras segundo ele, faltava simplesmente para sacanear o contratante, com especial predileção por Chico Recarey, do Scala. Temporada era um perigo: TIM ficava tão feliz com a estreia que promovia um triátlon comemorativo com os amigos no camarim até amanhecer. E no dia seguinte não tinha voz nem show.”
 

Uma das faltas memoráveis de Tim Maia aconteceu durante o Programa “Chico e Caetano”, que a globo exibia uma vez por mês, de abril a dezembro de 1986. Há alguns momentos memoráveis no programa, como apresentações de Astor Piazzola com Tom Jobim, ou uma participação da banda Legião Urbana, com Renato Russo visivelmente intimidado com a presença de seus ídolos Chico e Caetano no palco. Chamam atenção nesse registro o ar tranquilo com que Caetano Veloso registra a falta na gravação e a qualidade demonstrada por Tim no ensaio, tamanha que o programa opta por levar 'Do Leme Ao Pontal' ao ar, com todas as reclamações de Tim sobre o retorno.

O ouvido absoluto e a exigência extrema de qualidade de som seguiria levando a muitos incidentes, e brigs com produtores, diretores de clubes, donos de casas de show. Em 1990, Tim deixa o palco no meio de um show em Duque de Caxias (RJ). O promotor do show entra na Justiça contra o cantor. Tim Maia é condenado três anos depois.

No mesmo 1993, em memorando oficial, a  Rede Globo, proíbe até segunda ordem a participação de Tim Maia nos programas da emissora. No mesmo ano, o cantor deixa o palco do Canecão, no Rio.

Em 1996, Tim é internado no Rio com infecção urinária. No mesmo ano falta a show no Scala, de Chico Recarey, um dos donos da noite do Rio. Em 1997, lança "Amigo do Rei", com Os Cariocas, "What a Wonderful World" e "Pro Meu Grande Amor". No mesmo ano, anuncia que quer se candidatar ao Senado. Filia-se ao PSB.

No ano seguinte, em 98, no dia 8 de março, passa mal durante a música "Não Quero Dinheiro (Só Quero Amar)", num especial para o canal Multishow, em Niterói (RJ). Ele teve que ser retirado às pressas por sua equipe e levado para o hospital com uma crise hipertensiva e um edema pulmonar. Ficou internado por alguns dias, até falecer por falência múltipla dos órgãos, aos 55 anos, em 15 de março de 1998. Uma semana depois, morre no Hospital Universitário Antônio Pedro, em Niterói, de choque séptico.

Além das suas canções icônicas, o Tim Maia nos deixou Léo Maia, seu filho e representante da música brasileira atual. Léo é filho de Geísa, uma das companheiras de Tim com outro homem, mas o artista resolveu assumir sua criação desde que o menino nasceu. Léo Lembra muito o pai inclusive no suíngue. Prova disso é essa versão de Eu Amo Você, sucesso na voz do pai, Tim.

Tim teve outro filho com Geísa, o Carmelo. O cantor faz uma homenagem aos dois filhos na canção Márcio Leonardo e Telmo, no disco Tim Maia, de 1976. Carmelo se dedica ao 'baú' de Tim. Batalha por lançamentos de coletâneas e material inédito, para defender a herança do pai. Exemplo desse trabalho é Yo Te Amo, de 2021. No garimpo, o filho teve que recuperar fitas oxidadas e recuperou pérolas como essas: Cristina, com letra em espanhol

E, para fechar esse programa, a versão recuperada por Carmelo de Eu Amo Você, Yo Te Amo. Atual, como na gravação cinquenta anos antes. Mais que moderna, eterna, como o legado musical do 'Síndico'

Criado em 26/11/2022 - 18:32

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