A edição do Caderno de Música deste domingo (17) apresenta mais uma edição da série “Música e Outras Artes”, em que explora as conexões da música com outras formas de expressão. Nesta edição, o destaque será para a “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, um dos grandes épicos da literatura mundial.
Escrita no século XIV, a "Divina Comédia" descreve a jornada do próprio Dante pelos três reinos do pós-vida: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Em sua estrutura e simbolismo, a obra nos conduz a reflexões sobre a condição humana, a justiça divina e a redenção. Ao longo dos séculos, a "Divina Comédia" se tornou fonte de inspiração para compositores, que recriam em suas músicas todo esse ambiente dantesco, como a "Sinfonia Dante", de Franz Liszt, e o balé "Dante", do compositor britânico contemporâneo Thomas Adès.
Franz Liszt, um visionário da música romântica, fascinado por temas espirituais e filosóficos, encontrou na "Divina Comédia", de Dante, uma de suas obsessões. A sua "Sinfonia Dante", composta em 1856, reflete essa inspiração e é dividida em dois movimentos principais: o "Inferno" e o "Purgatório", encerrando com um coro final que sugere o "Paraíso". No primeiro movimento, Liszt emprega harmonias intensamente dissonantes e uma orquestração que cria uma atmosfera ameaçadora. O ouvinte é levado a sentir o sofrimento e o desespero das almas condenadas no Inferno, conforme descrito por Dante. A música oscila entre momentos de fúria e passagens de introspecção, capturando a complexidade das emoções que permeiam a jornada pelo reino infernal.
O segundo movimento da "Sinfonia Dante", intitulado "Purgatório", traz uma atmosfera de esperança, mas com uma tonalidade sombria e melancólica. Aqui, Liszt utiliza a orquestra para transmitir um sentimento de penitência e ascensão gradual, com sonoridades mais suaves e quase etéreas. O coro feminino no final simboliza a aspiração ao Paraíso, um vislumbre de redenção para aqueles que, mesmo com suas falhas, buscam a purificação e a graça.
Mais de um século e meio depois de Liszt, “A Divina Comédia” ganha novas sonoridades em nossa época. O balé “Dante”, do compositor contemporâneo Thomas Adès, foi composto para a produção do "The Dante Project", coreografado por Wayne McGregor para o Royal Ballet. O balé de Adès teve sua estreia em 2021 na Royal Opera House. Dividido em três partes – Inferno, Purgatório e Paraíso –, o compositor reflete musicalmente as paisagens alternadamente sombrias e luminosas da "Divina Comédia".
A música de Adès se caracteriza pela inventividade e pela habilidade em transitar entre o grotesco e o sublime, levando o ouvinte a vivenciar os cenários dantescos com um toque pós-moderno. O primeiro ato, "Inferno", é descrito pelo próprio Adès como “uma homenagem a Liszt, o compositor do inferno e da música demoníaca”. A música é ao mesmo tempo densa e vibrante, cheia de ritmos inquietantes que trazem à tona o horror e a intensidade do primeiro círculo.
O segundo ato deste balé, intitulado "Purgatório", evoca uma atmosfera de transição e purificação, com sonoridades suaves e uma qualidade introspectiva que sugere arrependimento e evolução. A personagem Beatrice, uma figura central na obra de Dante, surge como um símbolo de amor e esperança, guiando o protagonista em sua jornada de redenção.
O movimento “Paraíso”, descrito em cores sonoras radiantes, com texturas orquestrais que buscam traduzir o êxtase espiritual da ascensão ao Paraíso, fecha o balé. Nesta última parte, Adès emprega harmonias complexas e uma instrumentação rica que leva o ouvinte a experimentar uma sensação de transcendência. A música é arrebatadora e grandiosa, e ao mesmo tempo, possui uma beleza etérea, capturando a essência dos últimos versos da "Divina Comédia".
O Caderno de Música irá ao ar agora em novo horário: domingo, às 12h30, na Rádio MEC.