O Caderno de Música deste domingo (27) mergulha no clima de Halloween com obras de Camille Saint-Saëns e Franz Liszt, que exploram a brevidade da vida e os mistérios do pós-morte — temas que sempre intrigaram a humanidade.
Nascido em Paris em 1835, Camille Saint-Saëns foi um prodígio musical desde a infância. Aos 13 anos, ingressou no Conservatório de Paris, onde aperfeiçoou suas habilidades em composição. Nesse período, Saint-Saens conheceu o renomado compositor húngaro Franz Liszt, com quem desenvolveu uma amizade e colaboração artística. Essa relação abriu portas importantes para Saint-Saëns, que teve várias de suas obras divulgadas por Liszt, incluindo a ópera "Sansão e Dalila", estreada em Weimar em 1877, sob a direção de Liszt, após rejeições em Paris.
Durante este período, Saint-Saens compõe uma de suas obra mais icônicas: "Danse Macabre” ou “Dança Macabra”. Inspirada em um poema de Jean Lahor, pseudônimo de Henri Cazalis, a peça começou como uma canção para voz e piano, mas rapidamente se transformou em um poema sinfônico, no qual o violino solo assume a linha vocal.
A "Dança Macabra", de Saint-Saens, mergulha no tema da iminência da morte, uma alegoria que ecoou fortemente na Baixa Idade Média. Nessa época, as crises feudais e a devastadora peste negra deixaram marcas profundas na sociedade, criando uma atmosfera sombria e desesperançosa. A figura da morte conduzindo todos a uma última dança, sem distinção de idade ou classe social, foi uma imagem que perdurou no imaginário coletivo da época. No século XIX, no contexto de Saint-Saens, o Romantismo reacendeu essa melancolia gótica. E com a derrota da França e a crise política que se seguiu, a presença da morte não poderia ser menos impactante para o compositor.
A magia da "Dança Macabra" começa com 12 toques de harpa, simbolizando as badaladas da meia-noite. Nesse instante, um violino estridente rompe o silêncio, trazendo à tona o triunfo da morte.
Em seguida, os mortos emergem de suas tumbas em um grande cortejo, acompanhados por uma versão distorcida do canto gregoriano da Missa dos Mortos. O uso do xilofone, inovador na época, evoca o chocalhar dos esqueletos, enquanto a dança macabra prossegue até o amanhecer, finalizada pelo canto do galo, representado pelo oboé.
A estreia da peça, em 1874, foi recebida com surpresa e controvérsia, mas rapidamente conquistou o público, inspirando diversas transcrições, incluindo uma notável adaptação para piano feita por Franz Liszt. Hoje, "Dança Macabra" é considerada um clássico associado ao terror e ao sobrenatural.
O especial de Halloween também explora o lado sombrio de Franz Liszt, um dos maiores compositores do século XIX.
Liszt foi profundamente influenciado por Beethoven, que ele admirava intensamente, e serviu de inspiração para Camille Saint-Saëns. O compositor húngaro é reconhecido como o criador do “poema sinfônico”, uma forma orquestral que se baseia em fontes extramusicais, como poemas e pinturas. Entre suas composições mais notáveis, destacam-se as sinfonias “Fausto” e “Dante”, cujos temas obscuros consolidaram Liszt como uma referência do romantismo sombrio.
Composta em 1854 e dedicada a Hector Berlioz, a sinfonia “Fausto” é inspirada na peça homônima de Goethe. A obra narra a história de um homem inteligente, mas insatisfeito com sua vida, que vende sua alma ao demônio Mefistófeles em troca da realização de seus desejos, incluindo o amor de Margarida e o acesso a todo conhecimento do mundo. No entanto, sua ambição resulta em tragédias que o acompanharão durante toda a trama. Cada movimento da sinfonia evoca um dos protagonistas da obra de Goethe: Fausto, Margarida e Mefistófeles, encerando com um Coro Místico.
Já a “Sinfonia Dante” estreou em Dresden na mesma época que “Fausto”. A obra é inspirada na “Divina Comédia” de Dante Alighieri, que narra a jornada de Dante e do poeta Virgílio pelos reinos do Inferno, Purgatório e Paraíso, as três etapas do pós-morte. Liszt inicialmente planejou uma obra em três movimentos, mas acabou abandonando o movimento final, resultando em duas partes: "Inferno" e "Purgatório".
Ouça no Caderno de Música. Domingo, às 14h30, na Rádio Mec.