Pandemia na periferia. Este é mais um desafio para os moradores de comunidades carentes do país, que estão saindo às ruas movidos pela urgência da fome. Nascido em Ipatinga (MG), o coordenador nacional do Acredito e consultor em diversidade e inclusão na Tribo, Samuel Emílio, conhece bem essa realidade. Começou a trabalhar aos 6 anos, lavando copos num bar, em cima de um caixote, e foi o primeiro, entre 40 primos, a entrar em uma universidade pública. Hoje, aos 24 anos e formado em engenharia, tem consciência de que o trabalho das crianças na sua época era uma alternativa dos pais,para que não ficassem nas ruas, expostas à criminalidade e ao tráfico de drogas, e também contribuíssem com a renda familiar.
"Mas esse não é o caminho. Criança nenhuma merece trabalhar fora de casa. Isso é um crime. Por mais que seja doloroso, essa é a verdade. Essa é a realidade do Brasil e em muitas periferias isso se repete. É importante ter a consciência do país que a gente vive. Hoje nós temos 13 milhões de pessoas na faixa de pobreza e extrema pobreza no Brasil. Isso antes do coronavírus, porque agora esse número deve ter aumentado."
Samuel Emílio ressalva que as periferias são bastante heterogêneas no país, com diferenças nas capitais e no interior, assim como na Região Sudeste e no Norte e Nordeste. "Hoje a gente tem seis milhões de pessoas que não têm banheiro em casa. Esse é um dado muito relevante, porque dá um pouco da dimensão do que é morar em uma zona onde não chega saneamento básico, onde você não tem esgoto em casa, onde não tem água tratada."
A forma como o Estado chega às comunidades nas periferias é uma outra preocupação. "Infelizmente, o braço mais forte do Estado que chega às periferias é a polícia. Em São Paulo, o que a gente tem observado é um aumento da incidência de abordagens violentas e uma desproporção dessa abordagem nos bairros mais nobres em relação aos mais pobres. As pessoas nas periferias estão sendo obrigadas a sair para a rua e são abordadas para explicar porque não estão dentro de casa. É óbvio que elas estão saindo por necessidade, para encontrar água, comida e um mínimo de renda para a sua família."
Segundo ele, a sociedade civil conseguiu fazer com que muitas famílias não morressem de fome nessa pandemia e que as ongs e a Defensoria Pública têm tido um papel fundamental de pressão por políticas públicas e resultados minimamente suficientes para que essas pessoas não continuem largadas à própria sorte. A pandemia só está aumentando a desigualdade social, avalia. "A comida já acabou. As pessoas já estão com fome, já estão sem recursos." Para Samuel Emíio, a alternativa continua sendo a ação do Estado, mas ainda há muitos obstáculos a serem enfrentados. "É preciso praticamente uma revolução política no Congresso e fazer com que, aos poucos, os três poderes estejam em sintonia e trabalhando à serviço da população."
Fundador da plataforma Engaja Negritude, da Educafro, Samuel Emílio destacou que muitos jovens negros estão se esforçando, como ele próprio, mas não conseguem as oportunidades. "Isso precisa fazer parte do projeto de vida de todos nós. Individualmente, começarmos a gerar ações afirmativas para dar mais oportunidades para as pessoas negras, para as pessoas pobres. O convite que eu faço é que as pessoas tenham um pouco mais de abertura para olhar para dentro, e para as transformações que elas também precisam realizar em si mesmas, enquanto realizam transformações aqui fora também."